sexta-feira, 9 de março de 2007

Do Dez + Cinqüenta e dois

O dez é a base do sistema, é natural, é intuitivo - ao olhar as duas mãos, você vê o dez.
Ele satisfaz a nossa busca pela perfeição, por conter um ciclo inteiro, estabelecer um marco, uma série, um número completo.
São dez os mandamentos que se propõem manter nosso mundo em paz e o ser humano em harmonia.
É o dez o responsável por armar o jogo – o meia avançado, como dizem os antigos boleiros. Aquele que faz a ligação entre defesa e ataque. Ele fica lá, naquele grande círculo do meio-campo, olhando, acompanhando os acontecimentos.
De repente – não mais que de repente – descortina a jogada. Recebe a bola, vê o lateral descendo, vai tocando, meio que com preguiça, como se fosse o mestre-sala e ela, a bola, uma porta-bandeira. Quando todos esperam o passe, ele dribla e segue. Quando todos esperam o drible, ele passa. Na medida, de bandeja, com efeito.
Mas o dez não acaba aí. É apenas um brinde, um surpreender a multidão durante um espetáculo ainda em andamento. E, exatamente porque a bola reconhece quem a trata bem, ela volta ao dez, pitagoricamente, demonstrando que a tabela obedece a clássica regra do a2 = b2 + c2 . E é gol. Sempre. Todos os dias, mesmo que sejam 19, 8 ou 27. Porque o dez é mesmo insuperável, indispensável, inesquecível.

domingo, 4 de março de 2007

Décimo Capítulo - Das Origens

Tal como a língua, somos quem somos por força de quem viemos. É o Gênese imperativo, em que parte corresponde à matéria-prima original, parte vai se acrescentando ao longo do caminho. Porque o caminho influi. Os encontros trançados pelo viver diário, abertos e disponíveis para quem saiba enxergar, ouvir, aprender, vão trazendo novos significados, novos conceitos, que se ligam e incorporam a tudo o que veio conosco.
O depósito primordial vai se ampliando, dando espaço e guarida a um sem-número de signos, símbolos, interpretações, que enriquecem ou substituem os originais, demonstrando, mais uma vez, que nós mesmos, como a língua, estamos vivos, somos dinâmicos, estamos em permamente mudança.
Algumas coisas, porém, permanecem. Como aos fundações de uma cúpula, seus pontos de apoio são. Não estão ou ficam. São, apenas, graças à sua essencialidade. Para alguns, é o caráter. Para outros, o exemplo. Para uns tantos, regras morais aprendidas à força de muito discurso e castigo.
Mas permanecem. Desafiam os tempos e as novidades - sem lutar contra elas, é verdade, porque as próprias novidades reconhecem essa essencialidade.
Reconhecer, respeitar, venerar nossas origens é, portanto, imperativo. É bom lembrar, porém, que devemos nossa própria parcela de contribuição a este Gênese. Motivo pelo qual há que acrescentar, mudar, aprimorar, viver.
Hodie, semper.

Nono Capítulo - Das Declarações

Podem ser profissões de fé, protestos de inocência, posicionamentos. Podem ser de amor. Podem aproximar ou manter à distância. Podem deixar marcas irremovíveis ou cair no esquecimento nem bem tenham sido feitas.
O que importa é o uso das palavras e as reais intenções em cada declaração.
Às vezes, parecem mentiras deslavadas, mas são verdadeiras - as intenções, digo. Outras, posam de monumentos da ética e moral, mas não passam de disfarces, fraquezas escondidas, bonitas embalagens para maus produtos.
Uma declaração não vem com bula ou certificado. É a expressão do que se sente na hora, um marcar posição, um sinal de alerta, um fazer questão de esclarecer o que se diz e porque dizê-lo.
Não significa, entretanto, que seja verdade. Pode ser apenas uma intenção, uma promessa, um desejo.
Do ponto de vista de quem ouve, porém, uma declaração é fato. Pode-se crer nela, ou não. O que importa é a existência em si da declaração.
Mesmo que ela se transforme ao longo do tempo, se contradiga, se esvaia.