segunda-feira, 23 de abril de 2007

Capítulo Décimo Segundo - Das Distâncias

Distâncias dizem respeito a lugares. Às vezes, lugares especiais; às vezes, lugares comuns; às vezes, lugares-comuns. Porque distâncias são sempre estados. De espírito, principalmente.
É tão verdade acordar no meio da noite e ter a certeza de que alguém, distante, está pensando em nós, como viver ao lado de alguém que mora em Katmandu - no sentido figurado ou não.
Porque distâncias se formam não por metros ou quilômetros. Distâncias são feitas por pequenas desatenções, desleixos, todas as minúsculas vitórias do menos importante sobre o mais importante, como os atropelos da urgência sobre o ouvido atento.
Distâncias não existem per se , são criadas por nós mesmos, todos os dias, todos os momentos.
Podem ser aumentadas ou reduzidas - pesquisas recentes provam que um simples sorriso é capaz de compensar milhares de quilômetros em distância, da mesma forma que pensamentos, sentimentos, quereres.
É por isso mesmo que, da janela do sétimo andar, consigo ver Lisboa.

sexta-feira, 20 de abril de 2007

Capítulo Décimo Primeiro - Das Pequenas Coisas

Pequenas coisas - já diz Maitena - não são o mesmo que coisas pequenas. É a imensurável presunção do ser humano que as confunde, aprisionando a ambas na vala comum da desimportância.
Pequenas coisas são essenciais à vida. A partir da célula, do átomo. Lembranças de infância, brinquedos que não brincam sozinhos, pores-do-sol, listas e bolinhas, gosto de bolo de avó - muito melhor que as Madaleines de Proust -, barulho de chuva no telhado, amora e manga tiradas do pé, ler quando dá vontade, um solo de violino, cheiro de café, tudo isto pertence à categoria das pequenas e intangíveis coisas.
São, sim, pequenas, porque podem passar despercebidas pelo correr do dia-a-dia, escapar aos olhares mais atentos, mas, isto, as grandes também podem sê-lo, porque estar atento implica mais que perceber. Necessita e se nutre da preocupação com o outro e com si mesmo.
É este norte que transforma as coisas pequenas em pequenas coisas, dá-lhes importância, faz a diferença.
Porque é no olhar do outro que elas se refletem, é no sorriso do outro que se deixam identificar, é no outro, para o outro, pelo outro que se multiplicam em frações intermináveis, como um campo de flores ou uma revoada de borboletas.