terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

Oitavo Capítulo - Dos Elogios e Maledicências

Se elogios aquecem e confortam, maledicências fazem ferver. E, no entanto, são extremos opostos do mesmo caminho. Ambos se aplicam normalmente a quem foge dos padrões. Por motivos diversos, são armas - uma, do bem; outra, do mal. São arma do bem quando verdadeiros, sinceros, ditos ou escritos acima e além da simples vontade de agradar, sem objetivos sujacentes. São arma do mal quando - independentemente de se basearem na verdade ou na mentira - têm por objetivo único torpedear a reputação.
Palavras, aqui, têm participação coadjuvante. Um elogio pode ser feito mediante um olhar, um sorriso, um toque, uma atitude. Maledicência, também. Não com o mesmo olhar terno, mas esquivo; não com um sorriso caloroso, mas irônico; não com um toque de apoio, mas de exclusão; não com atitude solidária, mas dissimulada.
Tirante esta diferença conceitual, são iguais. O que os torna diferentes entre si é a sua capacidade de classificar as pessoas - sejam as que são objetos de seus efeitos, sejam as autoras.
Vivemos em uma época de amplo acesso a informações. É natural que estas informações, porém, sofram todo o tipo de interpretações, deformações, edições. O resultado é que, de maneira geral, recebemos versões, não fatos; opiniões, não descrições. E, pela própria diversidade de informação à escolha, poucos se dão ao trabalho de ir em busca dos fatos.
O problema deve estar aí. Fatos são o que são, não o que queremos que sejam. São desinteressantes, às vezes; racionais, em sua grande maioria; incontestáveis, sempre.

sábado, 10 de fevereiro de 2007

Sétimo Capítulo - Dos Números

Números têm um sabor todo especial, já que são a abstração da abstração, um conceito dentro de um conceito, uma linguagem emprestada para dar forma e significado ao permanente sentimento humano de quantificar as coisas, medir, avaliar.
Nem sempre corresponderam a sinais específicos - na antiga Roma, as letras também representavam números, o que, aliás, deve ter sido o terror de todo ginasiano daqueles tempos (já imaginou efetuar uma operação como MCMXXVII x DCL?)...

Mas não é esta a nossa preocupação; nossa questão é a relação dos números com as pessoas, especialmente essa mania de medir. O ser humano é o único animal que se preocupa em medir o tempo, por exemplo. Os animais em si, percebem o passar do tempo por instinto; é uma constatação, apenas. Só o homem mede, quantifica, realmente percebe o passar do tempo. Verifica, por exemplo, que existe um tempo real e um tempo relativo - aquele que demora a passar, ou passa rápido demais. O mesmo minuto dura horas ou poucos segundos, a depender da situação.

Por que essa preocupação com o medir? Por que essa ilusão de que sabemos exatamente quando, quanto? Por ilusão, mesmo. É isto que nos dá a falsa segurança de que controlamos o mundo, quando, na verdade, é ele quem nos controla, aumenta nossa ansiedade, nos obriga a correr para que possamos contar com mais tempo livre - o que quer que isso signifique.

Al Karismi é que estava certo, ao dizer que medir é comparar. O problema não está no conceito, mas no estabelecimento das comparações. Nem sempre a quantificação é possível, ou absoluta, ou necessária. Ou desejável.

domingo, 4 de fevereiro de 2007

Sexto Capítulo - Dos Sinais Gráficos


São uns incompreendidos. Há quem os considere completamente indispensáveis, inúteis, arcaicos. Nada mais distante da verdade. Sinais gráficos são distinções, uma espécie de DNA da língua escrita, conferem personalidade - mesmo que aqueles na faixa dos cinqüenta nunca tenham plena certeza se o correto é cores ou côres...

Sinais gráficos são injustiçados, são vítimas da ditadura da TV, que os considera dispensáveis até nos caracteres explicativos da barra noticiosa ou, pior, peca pelo excesso, salpicando crases e acentos agudos a seu bel prazer...

Não basta, porém, reconhecer sua existência. É fundamental perceber que eles trazem, em si, uma ênfase toda especial, que consegue atribuira à linguagem escrita todas as entonações características da linguagem falada, ao mesmo tempo em que sinalizam determinadas uniões que de outro modo não seriam percebidas.

São, portanto, mais que úteis, são essenciais.

Faz-se necessário um movimento em defesa dos sinais gráficos: todos eles existem e permanecem, a despeito de sucessivas reformas ortográficas, merecem nosso respeito.