segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Vigésimo Oitavo Capítulo - Da Esperança

Dela se diz ser a última a morrer - um ditado, aliás, contraditório por chamar a atenção para seu fim e não sua permanência.

Porque é a permanente renovação da esperança que faz da espécie humana este exército de otimistas que todos somos - mesmo que não todo o tempo, mesmo que reclamando, apontando defeitos ou criticando, pois isto também faz parte da dita espécie...

Basta ver o clima de expectativa que cerca a entrada de um novo ano - tecnicamente apenas a mudança do calendário - para perceber o fio de esperança que une as pessoas.

Eu não sou exceção. Espero, em 2008, encontrar mais solidariedade, condescendência, respeito e boa vontade. Espero encontrar mais gente disposta a resolver suas diferenças em conversa franca e não à bala. Espero ver mais crianças de verdade vivendo a sua infância e não sendo mini-adultos; espero ver a web sendo um espaço de saudável convivência e não uma tribuna a exaltar preconceitos e diferenças. Espero continuar sendo digno do amor e da amizade de tanta gente - próxima e distante - e que toda esta gente espere o mesmo de mim.

Espero encontrar mais gente como seu Expedito, morador de rua capaz de dividir um sanduíche com quem tem ainda menos sem esperar nada em troca...

domingo, 4 de novembro de 2007

Vigésimo Sétimo Capítulo - Da Cumplicidade


Cumplicidade há de inúmeras formas. Existem as cegas, as mal-intencionadas, as ternas.
As eternas.
Casamento devia ser uma delas - nem sempre é.
Porque casamento é muito mais que morar junto. É dividir, compreender, relevar, buscar a felicidade do outro - até porque é o mesmo que buscar a sua...
Casamento não é formalidade, embora tenha rito. É intenção, manifestação plena de vontade, viver em conjunto.
Não o casamento, portanto, que gera a cumplicidade. É o amor, o carinho, a ternura, a dedicação que o fazem. O casamento só se beneficia dela.
Que vocês tenham pelo menos um momento de cumplicidade por dia. Todo os dias. Até o fim dos tempos.

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Vigésimo Sexto Capítulo - De Presenças, Chegadas e Partidas

Dois lados da mesma viagem, já diz a canção. O que ela não explica é gente que consegue estar presente, mesmo distante. Porque isto é atributo de poucos e bálsamo nestas nossas vidas que nos levam de um lado para outro, sem prévio aviso.
Guarde nos olhos tudo o que viu, nas papilas o que provou, no coração o que percebeu desta gente, dos sorrisos desta terra e da outra, tão hermana.
E volte, bem-vindo sempre.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Cecilia Bartoli - Mozart - Nozze di Figaro - Voi che sapete

"Voi Che Sapete" - Le Nozze di Figaro - Mozart

Voi che sapete
che cosa è amor,
donne vedete
s'io l'ho nel cor.
Quello ch'io provo
vi ridirò;
è per me nuovo,
capir nol so.
Sento un affetto
pien di desir,
ch'ora è diletto,
ch'ora è martir.
Gelo, e poi sento
l'alma avvampar,
e in un momento
torno a gelar.
Ricero un bene
fuori di me.
Non so ch'il tiene,
non so cos'è.
Sospiro e gemo
senza voler,
palpito e tremo
senza saper.
Non trovo pace
notte, nè dì,
ma pur mi piace
languir così.
Voi che sapete
che cosa è amor,
donne, vedete
s'io l'ho nel cor

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Vigésimo Quarto Capítulo - Da Outra Primavera


Dos tempos de videogame, dos amigos imaginários, das bonecas e das longas conversas no berço, ficaram a convergência tecnológica, bichos de pelúcia, uma agenda telefônica imensa, as viagens, o trabalho, a vida nova.
Permanecem, sempre, a alegria, o amor pela polêmica, a ternura mal disfarçada, a prontidão em ajudar.
Todas elas juntas num só ser, nesta viagem do dia-a-dia.
Somos todos companheiros de viagem. Alguns ajudam mais, outros menos. Há quem se disponha a ser companheiro de todas as horas - a estes, chamamos de indispensáveis.
Que você só tenha destes em sua vida. De preferência, empilhadinhos...

sábado, 13 de outubro de 2007

Vigésimo Terceiro Capítulo - Das Chegadas

Primeiro foi Laura, depois, as gêmeas - Helena e Carolina, Carolina e Helena, pois há que cuidar de tratar a ambas com os mesmos privilégios - e, agora, o nobre Duarte, filho de Fidalgo e Isabel - tão rainha quanto a de Castela. Crianças que chegam e trazem consigo baldes de esperança.
Cada chegada destas abre um novo caminho que terá que ser por elas mesmas traçado, descoberto, palmilhado.
Que tenham suas vidas pontilhadas por pequeníssimas tragédias e imensas alegrias.
Porque cada chegada destas nos torna a todos melhores, mais capazes de amar, mais conscientes do fato de que, cada criança que nasce renova a fé que todos temos no futuro, apaga as manchas do passado, traz um frescor de dia que começa.
Cada criança que chega é uma possibilidade que torna tudo possível, provável, líquido e certo. Com elas e por elas, somos capazes de tudo, sempre a cuidar de seus passos e a seguir por seus caminhos, também nossos. Bem-vindos, todos.

sábado, 22 de setembro de 2007

Vigésimo Segundo Capítulo - Da Primavera


Elas surgem pequeninas, indefesas, absolutamente dependentes. E vão crescendo, assumindo suas próprias opiniões, tornando-se profissionais, mulheres lindas, líderes, pessoas da melhor qualidade.


Neste domingo, todas elas completam mais um aniversário. Aquela menina apaixonada por sapatos, a profissional bravinha, a defensora dos desvalidos, a fotógrafa de primeira linha, a leitora inveterada, a introvertida e a que tem amigos ao redor de todo o mundo. A fashion e a que anda em casa de camiseta surrada , a que tem texto impecável e a que cai de pára-quedas frente a segredos de polichinelo. A que confia nas pessoas certas, a que acredita nas pessoas erradas, a que acredita em si mesma. A terna e a romântica.


Amanhã, às 6h41, quando começar mais uma primavera, todas elas estarão dormindo o sono dos anjos e seus sonhos estarão povoados por flores. Amanhã, sempre, dormindo ou acordadas.







domingo, 12 de agosto de 2007

Vigésimo-Primeiro Capítulo: De Pais e de Filhos


Embora todos os pais sejam filhos, nem todos os filhos são pais. Esta máxima acaciana expõe mas nada explica. Porque, embora não tenham como aplicar seus conceitos de paternidade - ou maternidade - filhos sem filhos hão de ter lá suas opiniões de como cuidar, amparar, valorizar, amar seus prórpios rebentos.
Vão aqui, portanto, umas poucas reflexões destinadas a trazer alguma luz a este fundamental mistério da paternidade:
Reflexão número 1: "O que você planta, você colhe".
Não adianta cobrar responsabilidade, se você mesmo não deu o exemplo; não adianta dar o exemplo se você exagerou na condescendência; não adianta dar disciplina sem dar amor. Como você vê, é simples.
Reflexão número 2: "Você não é o único a plantar, nem o único a colher".
Ter e criar filhos é trabalho de parceria. Às vezes um se dedica mais, às vezes outro, mas a responsabilidade pelos erros e acertos é compartilhada. Sempre.
Reflexão número 3: "Filhos ensinam tanto quanto aprendem".
Quem já tem filhos sabe disto, quem ainda não tem, vai saber. Porque estas poucas reflexões me foram ensinadas por minhas próprias filhas, o mais próximo que podemos chegar de nós mesmos. E da própria eternidade.

terça-feira, 17 de julho de 2007

Vigésimo Capítulo: Do Inconformismo

Não se conformar significa muito mais que discordância. É a discordância ativa, permanente, um eterno discutir, contestar, argumentar. Um não à apatia, ao "deixa estar", ao "que posso eu?".
A todos nós serve a lição dada todos os dias, em todas as tiras, de uma graciosa menininha - hermanita nuestra - que, embora já tenha passado dos quarenta e a meio caminho da quinta década, prossegue com o mesmo frescor e entusiasmo juvenis que a caracterizam desde sua aparição.
Salve Quino, hoje comemorando seu jubileu de diamante com a vida . Gracias por todo, Quino. Aqui, Mafalda nunca foi tão atual.

sábado, 7 de julho de 2007

Décimo Nono Capítulo - Dos Compromissos

Compromissos são escolhas, decisões tomadas por livre vontade, um estar junto que não tolhe, só aproxima.

Compromissos ajudam a compreender e aceitar. Não são infalíveis, não são perfeitos, são, sim, resultados.

Resultados de tentativas e erros, resultados de trocas e concessões, resultados de dedicação e cuidado.

Compromissos fazem crescer, estimulam, enriquecem.

Por isto mesmo, perduram, vencem as noites, engolem os dias, ressaltam momentos - como o sol a brilhar através das gotas de orvalho preguiçosamente a escorregar de uma pétala.

sexta-feira, 29 de junho de 2007

Décimo Oitavo Capítulo - Do Equilíbrio


Equilíbrio é um estado, uma condição, por princípio instável. É impossível manter o equilíbrio indefinidamente, mas, mesmo assim, nossa busca pela permanência deste estado é eterna.
Talvez pela nossa própria busca incessante pela segurança. Talvez porque a instabilidade nos apavore, talvez porque não admitamos que nem tudo possa ser permanente e eterno - nada o é neste nosso mundo, aliás.
Esta nossa teimosia é que nos impede de ver que o equilíbrio só pode estar presente num estado dinâmico. Como o andar de bicicleta, em que quanto maior a velocidade, maior o equilíbrio.
Admitir a dinâmica, o movimento, a transformação. Tudo isto auxilia no equilíbrio, trabalha a nosso favor, contribui, aprimora, desenvolve.

sexta-feira, 15 de junho de 2007

Décimo Sétimo Capítulo - Das Portas

Portas existem para abrir e fechar. Nada mais conspícuo. Há aquelas simples, de compensado, quase uma cortina de tão frágeis. Há as sólidas, como os portões dos castelos de antigamente, que impõem respeito temeroso.
Portas, em si, quaisquer que sejam, trazem um certo receio, diferentemente das janelas. Janelas se expõem aos olhos - mesmo as fechadas - e só o que se espera é a invasão de um olhar, nada que ameace quem está por trás da janela, nenhuma responsabilidade para quem olha.
Portas, não. Portas são uma possibilidade, uma escolha, seja para entrar, seja para sair. Escolha feita, decisão tomada, responsabilidade assumida - mesmo que seja a de não sair ou não entrar.
Portas impõem uma atitude, daí sua imponência. Pior, esta imposição deriva da nossa própria fantasia - quem nunca parou diante de uma porta a imaginar o que se seguiria após ultrapassar sua soleira?
Prefiro acreditar que, mais que proteger, portas existem para serem abertas, como os nossos braços, a receber num abraço quem o faça por merecer.

sexta-feira, 8 de junho de 2007

Décimo Sexto Capítulo - Das Presenças e das Ausências

Presenças trazem conforto, ausências, melancolia. Não obstante, ausências podem também trazer presenças, porque a ausência é mais do que a não presença, é a presença que não está, não a que não é.

Complicado? Nem tanto. Quantas vezes não nos lembramos de quem não está, mas permanece? Pelo que fez - ou pelo que não fez. Pelo amor que dedicou, pelo apoio, pela solidariedade que emprestou, sem nada pedir em troca.

Ausências são tão importantes quanto as presenças, porque também são. Porque existem a partir dos exemplos, deixados, seguidos, presentes.

Assim, ausências e presenças são a mesma coisa, têm a mesma importância, o mesmo peso.

Porque exemplo são assim mesmo: nos tomam pela mão e seguem conosco pelo resto da vida.

sexta-feira, 18 de maio de 2007

Décimo Quinto Capítulo - Dos Caminhos

Não são os caminhos que nos levam, nem nós que nos deixamos levar por eles.
Eles apenas estão lá, a nossa disposição, a nossa espera, prontos para fazer o que se espera deles. Nada mais.
É nossa a escolha, com todos os seus riscos, vantagens e ônus. É a bênção e maldição do livre-arbítrio - nessa ordem, aliás.
Porque é da vida e da liberdade o escolher - o escolher, apenas. Ningúem é capaz de avaliar por antecipação se determinada escolha é melhor que outra, porque não é possível teorizar sobre hipóteses.
Hipóteses são apenas possibilidades, não-existência - apesar do "penso, logo existo..."
Embora isto, vivemos num mundo de possibilidades, luzes e sombras, onde tudo é possível e tudo não passe de "vastas emoções e pensamentos imperfeitos."
Basta fazermos o melhor que pudermos.
Foi mesmo Fernando Pessoa/Álvaro de Campos quem disse:
"Se em certa altura
Tivesse voltado para a esquerda em vez de para a direita;
Se em certo momento
Tivesse dito sim em vez de não ou não em vez de sim;
Se em certa conversa
Tivesse tido as frases que só agora, no meio-sono elaboro -
Se tudo isso tivesse sido assim,
Seria outro hoje, e talvez o universo inteiro
Seria insensivelmente levado a ser outro também."
Porque os caminhos estão lá. Sempre. Dentro de nós mesmos, não cada um de nós neles.

domingo, 13 de maio de 2007

Décimo Quarto Capítulo - Das Chegadas e Partidas

Partir deixa saudades, amigos, lembranças, mas só partindo é que se chega.
E, se partidas deixam lágrimas, chegadas as trazem, também, num ciclo interminável de ir e vir, sair e voltar, descobrir e relembrar.
Ir em busca de outras descobertas aumenta, enriquece, vivifica.
Para quem foi, para quem permaneceu na expectativa da volta. Da chegada, da partida.

sábado, 5 de maio de 2007

Capítulo Décimo Terceiro: Das Semelhanças e das Diferenças

Diferenças e semelhanças são a mesma coisa, só que diferentes. Ambas se relacionam com as distâncias, mas, ressalte-se, enquanto as diferenças as aumentam, as semelhanças aproximam.
Porque esta é a sua função. Diferenças dão limites, semelhanças incluem, partilham, compreendem - talvez por isso mesmo sejam sempre muito mais numerosas.
Basta atentar para o dia-a-dia de qualquer povo nas praças, nas ruas, nas casas. Todos queremos paz, prosperidade, ser felizes - só isso já bastaria para igualar-nos a todos.
E, aí, entram as diferenças. Por vezes, cruas, grossas, hostis, um "mantenha distância" demonstrado por pensamentos, palavras e obras; outras vezes, surgem travestidas de proteção à individualidade, do ser como se é.
Que engano! Semelhanças não atrapalham a individualidade. Pelo contrário, a tornam mais rica, trazem novas contribuições e a aprimoram. Porque o contato com o outro sempre deixa marcas. Mesmo aquele casual, rápido, comercial, descuidado como o se defrontar com alguém na rua que, naquele preciso instante, escolheu o mesmo caminho, vindo em direção contrária. Uma troca de olhares basta. Já não somos mais totalmente estranhos.
Há que aproveitar as oportunidades de descobrir as semelhanças - muitas, imensas, gratificantes - entre todos nós.
Porque fronteiras às vezes existem para proibir a entrada, mas, em se tratando de relacionamento entre os seres, no mais das vezes estão lá para impedir a saída.
Melhor escolher a troca generosa que engrandece do que o conforto seguro que apequena.

segunda-feira, 23 de abril de 2007

Capítulo Décimo Segundo - Das Distâncias

Distâncias dizem respeito a lugares. Às vezes, lugares especiais; às vezes, lugares comuns; às vezes, lugares-comuns. Porque distâncias são sempre estados. De espírito, principalmente.
É tão verdade acordar no meio da noite e ter a certeza de que alguém, distante, está pensando em nós, como viver ao lado de alguém que mora em Katmandu - no sentido figurado ou não.
Porque distâncias se formam não por metros ou quilômetros. Distâncias são feitas por pequenas desatenções, desleixos, todas as minúsculas vitórias do menos importante sobre o mais importante, como os atropelos da urgência sobre o ouvido atento.
Distâncias não existem per se , são criadas por nós mesmos, todos os dias, todos os momentos.
Podem ser aumentadas ou reduzidas - pesquisas recentes provam que um simples sorriso é capaz de compensar milhares de quilômetros em distância, da mesma forma que pensamentos, sentimentos, quereres.
É por isso mesmo que, da janela do sétimo andar, consigo ver Lisboa.

sexta-feira, 20 de abril de 2007

Capítulo Décimo Primeiro - Das Pequenas Coisas

Pequenas coisas - já diz Maitena - não são o mesmo que coisas pequenas. É a imensurável presunção do ser humano que as confunde, aprisionando a ambas na vala comum da desimportância.
Pequenas coisas são essenciais à vida. A partir da célula, do átomo. Lembranças de infância, brinquedos que não brincam sozinhos, pores-do-sol, listas e bolinhas, gosto de bolo de avó - muito melhor que as Madaleines de Proust -, barulho de chuva no telhado, amora e manga tiradas do pé, ler quando dá vontade, um solo de violino, cheiro de café, tudo isto pertence à categoria das pequenas e intangíveis coisas.
São, sim, pequenas, porque podem passar despercebidas pelo correr do dia-a-dia, escapar aos olhares mais atentos, mas, isto, as grandes também podem sê-lo, porque estar atento implica mais que perceber. Necessita e se nutre da preocupação com o outro e com si mesmo.
É este norte que transforma as coisas pequenas em pequenas coisas, dá-lhes importância, faz a diferença.
Porque é no olhar do outro que elas se refletem, é no sorriso do outro que se deixam identificar, é no outro, para o outro, pelo outro que se multiplicam em frações intermináveis, como um campo de flores ou uma revoada de borboletas.

sexta-feira, 9 de março de 2007

Do Dez + Cinqüenta e dois

O dez é a base do sistema, é natural, é intuitivo - ao olhar as duas mãos, você vê o dez.
Ele satisfaz a nossa busca pela perfeição, por conter um ciclo inteiro, estabelecer um marco, uma série, um número completo.
São dez os mandamentos que se propõem manter nosso mundo em paz e o ser humano em harmonia.
É o dez o responsável por armar o jogo – o meia avançado, como dizem os antigos boleiros. Aquele que faz a ligação entre defesa e ataque. Ele fica lá, naquele grande círculo do meio-campo, olhando, acompanhando os acontecimentos.
De repente – não mais que de repente – descortina a jogada. Recebe a bola, vê o lateral descendo, vai tocando, meio que com preguiça, como se fosse o mestre-sala e ela, a bola, uma porta-bandeira. Quando todos esperam o passe, ele dribla e segue. Quando todos esperam o drible, ele passa. Na medida, de bandeja, com efeito.
Mas o dez não acaba aí. É apenas um brinde, um surpreender a multidão durante um espetáculo ainda em andamento. E, exatamente porque a bola reconhece quem a trata bem, ela volta ao dez, pitagoricamente, demonstrando que a tabela obedece a clássica regra do a2 = b2 + c2 . E é gol. Sempre. Todos os dias, mesmo que sejam 19, 8 ou 27. Porque o dez é mesmo insuperável, indispensável, inesquecível.

domingo, 4 de março de 2007

Décimo Capítulo - Das Origens

Tal como a língua, somos quem somos por força de quem viemos. É o Gênese imperativo, em que parte corresponde à matéria-prima original, parte vai se acrescentando ao longo do caminho. Porque o caminho influi. Os encontros trançados pelo viver diário, abertos e disponíveis para quem saiba enxergar, ouvir, aprender, vão trazendo novos significados, novos conceitos, que se ligam e incorporam a tudo o que veio conosco.
O depósito primordial vai se ampliando, dando espaço e guarida a um sem-número de signos, símbolos, interpretações, que enriquecem ou substituem os originais, demonstrando, mais uma vez, que nós mesmos, como a língua, estamos vivos, somos dinâmicos, estamos em permamente mudança.
Algumas coisas, porém, permanecem. Como aos fundações de uma cúpula, seus pontos de apoio são. Não estão ou ficam. São, apenas, graças à sua essencialidade. Para alguns, é o caráter. Para outros, o exemplo. Para uns tantos, regras morais aprendidas à força de muito discurso e castigo.
Mas permanecem. Desafiam os tempos e as novidades - sem lutar contra elas, é verdade, porque as próprias novidades reconhecem essa essencialidade.
Reconhecer, respeitar, venerar nossas origens é, portanto, imperativo. É bom lembrar, porém, que devemos nossa própria parcela de contribuição a este Gênese. Motivo pelo qual há que acrescentar, mudar, aprimorar, viver.
Hodie, semper.

Nono Capítulo - Das Declarações

Podem ser profissões de fé, protestos de inocência, posicionamentos. Podem ser de amor. Podem aproximar ou manter à distância. Podem deixar marcas irremovíveis ou cair no esquecimento nem bem tenham sido feitas.
O que importa é o uso das palavras e as reais intenções em cada declaração.
Às vezes, parecem mentiras deslavadas, mas são verdadeiras - as intenções, digo. Outras, posam de monumentos da ética e moral, mas não passam de disfarces, fraquezas escondidas, bonitas embalagens para maus produtos.
Uma declaração não vem com bula ou certificado. É a expressão do que se sente na hora, um marcar posição, um sinal de alerta, um fazer questão de esclarecer o que se diz e porque dizê-lo.
Não significa, entretanto, que seja verdade. Pode ser apenas uma intenção, uma promessa, um desejo.
Do ponto de vista de quem ouve, porém, uma declaração é fato. Pode-se crer nela, ou não. O que importa é a existência em si da declaração.
Mesmo que ela se transforme ao longo do tempo, se contradiga, se esvaia.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2007

Oitavo Capítulo - Dos Elogios e Maledicências

Se elogios aquecem e confortam, maledicências fazem ferver. E, no entanto, são extremos opostos do mesmo caminho. Ambos se aplicam normalmente a quem foge dos padrões. Por motivos diversos, são armas - uma, do bem; outra, do mal. São arma do bem quando verdadeiros, sinceros, ditos ou escritos acima e além da simples vontade de agradar, sem objetivos sujacentes. São arma do mal quando - independentemente de se basearem na verdade ou na mentira - têm por objetivo único torpedear a reputação.
Palavras, aqui, têm participação coadjuvante. Um elogio pode ser feito mediante um olhar, um sorriso, um toque, uma atitude. Maledicência, também. Não com o mesmo olhar terno, mas esquivo; não com um sorriso caloroso, mas irônico; não com um toque de apoio, mas de exclusão; não com atitude solidária, mas dissimulada.
Tirante esta diferença conceitual, são iguais. O que os torna diferentes entre si é a sua capacidade de classificar as pessoas - sejam as que são objetos de seus efeitos, sejam as autoras.
Vivemos em uma época de amplo acesso a informações. É natural que estas informações, porém, sofram todo o tipo de interpretações, deformações, edições. O resultado é que, de maneira geral, recebemos versões, não fatos; opiniões, não descrições. E, pela própria diversidade de informação à escolha, poucos se dão ao trabalho de ir em busca dos fatos.
O problema deve estar aí. Fatos são o que são, não o que queremos que sejam. São desinteressantes, às vezes; racionais, em sua grande maioria; incontestáveis, sempre.

sábado, 10 de fevereiro de 2007

Sétimo Capítulo - Dos Números

Números têm um sabor todo especial, já que são a abstração da abstração, um conceito dentro de um conceito, uma linguagem emprestada para dar forma e significado ao permanente sentimento humano de quantificar as coisas, medir, avaliar.
Nem sempre corresponderam a sinais específicos - na antiga Roma, as letras também representavam números, o que, aliás, deve ter sido o terror de todo ginasiano daqueles tempos (já imaginou efetuar uma operação como MCMXXVII x DCL?)...

Mas não é esta a nossa preocupação; nossa questão é a relação dos números com as pessoas, especialmente essa mania de medir. O ser humano é o único animal que se preocupa em medir o tempo, por exemplo. Os animais em si, percebem o passar do tempo por instinto; é uma constatação, apenas. Só o homem mede, quantifica, realmente percebe o passar do tempo. Verifica, por exemplo, que existe um tempo real e um tempo relativo - aquele que demora a passar, ou passa rápido demais. O mesmo minuto dura horas ou poucos segundos, a depender da situação.

Por que essa preocupação com o medir? Por que essa ilusão de que sabemos exatamente quando, quanto? Por ilusão, mesmo. É isto que nos dá a falsa segurança de que controlamos o mundo, quando, na verdade, é ele quem nos controla, aumenta nossa ansiedade, nos obriga a correr para que possamos contar com mais tempo livre - o que quer que isso signifique.

Al Karismi é que estava certo, ao dizer que medir é comparar. O problema não está no conceito, mas no estabelecimento das comparações. Nem sempre a quantificação é possível, ou absoluta, ou necessária. Ou desejável.

domingo, 4 de fevereiro de 2007

Sexto Capítulo - Dos Sinais Gráficos


São uns incompreendidos. Há quem os considere completamente indispensáveis, inúteis, arcaicos. Nada mais distante da verdade. Sinais gráficos são distinções, uma espécie de DNA da língua escrita, conferem personalidade - mesmo que aqueles na faixa dos cinqüenta nunca tenham plena certeza se o correto é cores ou côres...

Sinais gráficos são injustiçados, são vítimas da ditadura da TV, que os considera dispensáveis até nos caracteres explicativos da barra noticiosa ou, pior, peca pelo excesso, salpicando crases e acentos agudos a seu bel prazer...

Não basta, porém, reconhecer sua existência. É fundamental perceber que eles trazem, em si, uma ênfase toda especial, que consegue atribuira à linguagem escrita todas as entonações características da linguagem falada, ao mesmo tempo em que sinalizam determinadas uniões que de outro modo não seriam percebidas.

São, portanto, mais que úteis, são essenciais.

Faz-se necessário um movimento em defesa dos sinais gráficos: todos eles existem e permanecem, a despeito de sucessivas reformas ortográficas, merecem nosso respeito.

sábado, 27 de janeiro de 2007

Quinto Capítulo - Das Mentiras


Antes de mais nada, é preciso esclarecer: não vamos aqui tratar das grandes mentiras, daquelas que nos enchem de indignação, que promovem a ira e o desprezo. Não. Aqui somente estarão presentes aquelas mentirinhas do dia-a-dia, quase inocentes, ditas sem pensar, por preguiça, vergonha, conveniência. Apenas estas, não mais.
Além disso, o fato deste capítulo suceder àquele das respostas, é mera coincidência. Primeiro, porque há mentiras nas perguntas, também - embora diga-se que toda mentira seja uma afirmação falsa. Segundo - e mais importante - é que, por conta disto, pode-se fazer a ilação incorreta de que o que foi escrito no capítulo anterior não seja verdadeiro - interpretação que repelimos já e agora.
Mentiras, ou, melhor dizendo, inverdades, existem por si. O chamá-las de inverdades já dá uma idéia do tipo de mentiras a que nos referimos aqui, já que o próprio fato de designá-las por outro nome que não o seu já implica uma mentira...
Existem por si porque são disfarces, escudos, máscaras. Podem ser inocentes e socialmente aceitas, justificadas - como os pseudônimos, os nomes artísticos, os personagens.
Podem, por outro lado, estar mais próximas à contravenção. Uma espécie de agente de jogo do bicho, conhecido dos vizinhos, mas envolvido em atividade sabidamente ilegal, a que todos fecham os olhos. São as mentiras que todos sabem que o são, mas, mesmo assim, ouvem, descrêem e deixam seguir.
Às vezes, são pura fantasia, adornos coloridos de uma história muitas vezes repetida e sem-graça, que se torna mais atrativa pela adição inconseqüente de algum brilho, aqui e ali.
Outras vezes, prejudicam, induzem ao erro, causam pena e dor. Destas, não falaremos agora. Só nos interessam aquelas, as leves, bolhas de sabão dos argumentos, que volutam, se apresentam, atraem os olhares, iludem e desaparecem.
Não as defendo - nem estas. Mas as mentiras são, estão presentes - disfarçadas ou explícitas. Negar sua existência é compactuar com elas. E mentir.



quinta-feira, 25 de janeiro de 2007

Quarto Capítulo - Das Respostas

É forçoso reconhecer que respostas levam muito mais tempo e demandam muito mais espaço que perguntas. Enquanto um simples "por que?" concentra em seis letras e um sinal gráfico todo um universo de expectativas, os porquês que as esclarecem necessitam muito mais.
Há todo um trabalho de preparação para que uma resposta seja construída. É preciso agrupar todas as idéias e conceitos de enquadramento possível à pergunta; é preciso separar os itens mais convenientes, os que confiram mais clareza e objetividade à resposta, os mais adequados à situação em curso, para, só então, dar início à elaboração propriamente dita.
Sim, porque uma resposta não é exatamente a solução de um problema matemático, absolutamente lógico e insofismável. Não basta apresentar argumentos possíveis. É vital inseri-los num processo de convencimento capaz de satisfazer completamente a pergunta - caso contrário, uma nova pergunta surgirá, até que o processo se dê por encerrado.
Às vezes, todos estes requisitos fundamentais apresentam um fator de complicação adicional: não são coerentes entre si. Pior, podem ser conflitantes.
A objetividade da resposta pode carecer de convencimento, os conceitos e argumentos não são objetivos, a ênfase no convencimento faz sombra à objetividade e à argumentação. Daí se depreende que, além de todos estes requisitos, toda resposta tem de conter, em si mesma, um delicado equilíbrio entre todos os fatores, uma harmonia - lá vem a música como metáfora...- que permita a presença e personalidade de cada item na medida necessária à situação.
Este mesmo equilíbrio, aliás, aparece na relação entre perguntas e respostas. Quanto melhor a primeira, mais complexo o processo de elaboração da segunda - isto, mesmo sem considerarmos a questão da presença ou não da veracidade no processo, porque isto já é um outro capítulo...
Mede-se a eficácia de uma resposta pelo efeito que gera. Pode ser de satisfação - certas respostas aquecem o coração e são capazes de transformar todo um dia num momento - pode ser de consternação, pela reversão de expectativas, pode ser de inconformismo, incredulidade, decepção.
E, a depender do resultado, todo processo volta à estaca zero, mesmo que esteja correto, porque a avaliação da resposta se baseia na expectativa de quem pergunta...
De fato, não é fácil. Tão difícil que respostas não deviam ser simplesmente dadas, sem pensar. Em muitos casos não o são, não importa o quanto sejam esperadas ou necessárias. Às vezes, por incapacidade; às vezes por conveniência; às vezes, porque não existem.

domingo, 21 de janeiro de 2007

Terceiro Capítulo - Das Perguntas

Perguntas são inerentes à natureza humana. Vão desde o "quem-como-onde-por que" do jornalismo, até as preocupações mais filosóficas do "quem somos, de onde viemos, para onde vamos".
O importante, mesmo, é que elas sempre utilizam tanto as palavras como os silêncios - se bem que silêncios, normalmente, estão mais presentes nas respostas, mas isto já é outro capítulo...
O problema é que perguntas são muito exigentes. Elas existem em função das respostas. Uma pergunta sem resposta é pássaro sem asa, macarrão sem queijo, sono sem sonhos.
Uma pergunta - qualquer pergunta - é uma flecha à procura de um alvo. Ela expõe, acusa, aponta, demanda. Às vezes, é indignada, às vezes é pura incredulidade decepcionada. Às vezes, esclarece, às vezes confunde.
Há oportunidades - irritantes, inclusive - em que perguntas são respondidas com perguntas, uma espécie de resposta travestida que nem esclarece, nem confunde. É como aqueles jogos de tabuleiro em que se cai numa casa que manda o jogador de volta ao início, num eterno recomeçar, independentemente do fato de se mudar de assunto.
Perguntas também são mapas, caminhos, atalhos. Facilitam as relações, promovem entendimento - ou, pelo menos a busca dele...
Nem por isto são mais fáceis. Mexem com toda uma caixa de Pandora, gavetas por arrumar em que você procura um pé de meia específico, desparceirado, solitário, que só existe em companhia do outro.
Como perguntas à procura de respostas.

sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

Segundo Capítulo - Dos silêncios

Silêncios são tão eloqüentes quanto as palavras. Mais, até. Se as palavras têm duplo significado - objetivo e subjetivo - silêncios são todos subjetividade. Podem ser indignados, raivosos, ressentidos, constrangidos como o partilhar de um elevador entre estranhos. Podem ser calmos e sonhadores, cismarentos e doloridos, mas têm em si, tal como as palavras, uma duplicidade: existem e não existem.
O existir, explica-se facilmente: existem porque são, estão presentes, são percebidos, mesmo que somente a partir de um dado momento. Já o não existir explica-se por serem mensagem sem texto, envelope sem carta. Silêncios não têm bula nem legenda. São explicados pela interpretação do destinatário - daí sua grandíssima capacidade de gerar as mais variadas confusões.
Sim, porque o destinatário vai interpretá-los à luz de suas próprias conveniências, experiências, pontos de vista - que, normalmente serão completamente diferentes do gerador do silêncio.
E, a partir daí, tudo muda. Confusão instalada, os silêncios se extingüem, porque, para serem explicados, têm que ser rompidos.
Silêncios existem para valorizar as palavras. Exatamente como na música, em que as pausas acentuam as harmonias, o silêncio não só faz parte da melodia como a torna mais rica.
Para isto existem os silêncios. E, por isto, quando atingem seus objetivos, desaparecem, submergem, se transformam.

sexta-feira, 12 de janeiro de 2007

Primeiro Capítulo - Das palavras

Há quem as use com parcimônia, há os prolixos. Há os indignados, que delas fazem bandeiras, armas, tochas flamejantes. Há os cordatos, que as usam sempre em caixa baixa, meio a medo.
Há os agressivos, que buscam sempre as mais ponteagudas e as desferem com certeira pontaria, visando o ponto mais sensível e onde permanecerão alojadas pelo correr dos séculos. Há os amorosos, que não medem esforços para escolher e empregar as certas, aquelas que vão gerar um resultado mais que positivo.
Palavras são códigos, signos, ícones que trazem em si dois significados distintos e coexistentes. Um, objetivo, a definição da coisa em si, tal qual mostra o dicionário e que, presumivelmente, é entendido por todos os que dominem a língua.
Outro, o subjetivo, já implica outra história. Envolve a entonação - a roupa que a palavra escolhe para ir à rua - envolve experiências, vivências, traumas, lembranças, que atribuirão a esta mesma palavra um rótulo, um marcador que só você e aqueles com quem você compartilhar este segredo serão capazes de perceber.
Por isso mesmo, nem sempre a palavra de quem fala é a mesma de quem ouve, embora iguais na forma e no conteúdo objetivo.
Porque a diferença está onde sempre esteve: nas pessoas. Que, às vezes, conseguem traduzir todo este complexo emaranhado de emoções em suas palavras, às vezes não.
E que nem por isso desistem de lançá-las ao vento, na esperança de que encontrem ninho e permaneçam.

terça-feira, 2 de janeiro de 2007

Prefácio

Afora a possibilidade de falar sozinho sem que ninguém te olhe desconfiado, um blog tem a vantagem de ser lido por pessoas as mais diversas e inesperadas. Coisas da internet - você imagina que está isolado mas, na verdade, pode ser visto por cinqüenta milhões de pessoas, em todo o mundo.
O fato de você escrever em português, inclusive, não garante impunidade - há sempre um mineiro de Governador Valadares nas cidades mais insuspeitas por todo este nosso globo...
Por outro lado, a vantagem é que um blog supõe diálogo: os incomodados podem reclamar, corrigir, levantar novas polêmicas e assim por diante.
O importante, enfim, é que haja conteúdo - mesmo que este conteúdo só interesse ao autor, o que já significa um ponto de partida, pois no meio de tanta gente, há de existir quem partilhe as mesmas opiniões, pelo menos potencialmente...
Em conclusão, não há a obrigatoriedade de postar o que quer que seja em datas específicas ou a cada "x" horas. É a liberdade quase absoluta de expressão...
Por fim, o título desta postagem é um brinde de ano-novo: você poderá dizer que, ao contrário da imensa maioria dos brasileiros, você já leu um prefácio...

segunda-feira, 1 de janeiro de 2007

Feliz 2007.

Dia de posses, discursos e discretas manifestações populares. Melhor assim.